quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Texto do/no espetáculo "O Outro E A Mulher Morta"

yarumo

auréola fina grená crisântemo. flor de ouro: crisântemo. podendo te banhava de ouro. branco. fino. podando unhas e cabelo. não param de crescer! vai sair hoje? não, né. preferes dormir mais um pouco. tudo bem, meu amor, descansa. esse engole engole bruto citadino mesmo te fazer bem não vai. então descansa. mais um pouco. saio rapidinho pra comprar o pão e já volto, tá? Tens fome? não? tudo bem minha vida, não precisas comer se não tens fome, não precisas. olha, mais tarde faço um copo de leite bem quentinho e deixo aí bem ao seu lado na mesinha, mas se a fome não vier, não há problema. não precisas, comer se não tens fome não precisas. há biscoitos oito dezoito louros brotos pontos contos chocolate. pior coisa é se forçar comer quando não se tem fome. copos e copos de leite. copo de leite é uma flor. zantedeschia aethiopica. encho de copos e copos ao redor de sua cama. brancos, muito brancos. e aquele vestido branco comprido puro que irei te vestir inda não tá pronto. precisas dele. eu sei, eu sei, mas já vai acabar. estou bordando minúsculas mil e umas gotas de avelã alva fina. sei que precisas ir, mas só vai se for vestida nele! não há o que discutir. e tenho mais tempo contigo e podes ficar em minha cama e demoro mais um pouco e ficas assim mais tempo e te contemplo mais e ficas deitada sobre e tens pés frios e fica mais um pouco e não se vá e falta pouco pro vestido e ficas esperando e apronto ele amanhã e ainda dormes e prometo que de amanhã não passa e roo as canaletas emadeiradas da janela e tens que ficar mais um pouco e... não tem problema minha filha, filhinha querida. sou toda tua no que precisares, descansa em paz. escuta astuta catita trinitando tanto aí em baixo. tanto barulho. não, não, não irão te devorar. banho de rosas sobre teu corpo pungente pequeno pontudo. estás tão pálida. vou te maquiar. melhora a roxidão debaixo dos olhos. a das unhas? não, não, não são roxas meu doce, é impressão tua. também quer que as pinte? tá certo, acho que rosa claro, bem clarinho, que nem as flores de embaúba ao chão. caem melhor na cor pra uma criança. caem aos montes no quintal. a embaúba tá cheia de formigas. preciso limpá-la. não se preocupe filhinha, sou sua mãe e não vou deixar esse formigueiro lhe invadir. bicho asqueroso nojento de pintas vermelhas e pretas. vai ferrar a puta que te pariu! peçonha maldita, em sua coletividade são tão sozinhas. sempre ao trabalho e seguindo uma trilha, se perdidas, eternas perdidas, e não sentirão falta e não se assombrarão e não chorarão e nenhuma outra sentirá falta e irá ao seu encontro lhe socorrer e lhe trazer de volta. e trabalham ao eterno e sempre trabalharão e nunca terão um amor ou companhia ou felicidade porque sempre seguirão a trilha uma atrás da outra exercendo apenas sua função de carregar folhas e perfurar caminhos e nunca verão a luz a não ser a que sai de dentro do cu da que tá na frente. inseto desgraçado. e esse trinitar desgraçado que não pára e essa merda de fedor que exala da bunda dessas formigas... o que? minha filha não fede! quem fede são os ratos no porão! calma minha filha, descansa. não se perturbe. são uns loucos que querem me por vozes na cabeça. mas já passou. calma. vou te cobrir.

Um comentário:

RÚBIA disse...

texto maravilhoso... consigo tocar no esmero de uma mãe junto ao cadaver da filha.parabéns por captar a essencia.